Muito se tem ouvido falar as palavras ‘Tolerância’
e ‘Respeito’. No vocabulário de muitas pessoas elas já têm se tornado um jargão
(linguagem viciada, corrompida; calão; gíria). Mas pouco se tem dito sobre a
semântica contextual em que elas, na maioria das vezes, erroneamente se
apresentam como sinônimo de condescendência.
Um exemplo dessa assertiva pode ser verificado
na reação preconceituosa de muitas
pessoas, quando explicitam ou supõem que se alguém ‘discorda de’ ou ‘tem claros
e veementes posicionamentos sobre’, por exemplo, determinada cosmovisão, muitas
das vezes em desencontro com o de uma maioria imediata, este é ‘Desrespeitoso’
ou ‘Intolerante’ por assim proceder. Tal reação revela uma interpretação
semanticamente esquisita sobre tais termos, levando outras pessoas a entenderem
erroneamente que ‘Respeito’ e ‘Tolerância’ são sinônimos de condescendência. Chega-se
a julgar temerariamente o caráter ou a personalidade de alguém simplesmente por
este ‘defender suas ideias com vigor’ ou ‘discordar explicitamente das de
outras pessoas’. Absurdamente, até imputa-se por ‘intolerante’ alguém que
contrarie, com bons e coerentemente fundamentados argumentos, entendimento
alheio claramente equivocado ou sem fundamento. Um apelo típico à modalidade de
‘Respeito’ e ‘Tolerância’ politicamente correta (a anuente), como se opor-se
convictamente a determinado fato ou ato, opinião ou comportamento, fosse
desrespeitoso ou intolerante e, portanto, reprovável imediatamente. Quanta
contemporização!
Outro, por sua vez, é um consequente dessa
viciosidade de entendimento sobre o que deve ser compreendido por ‘Respeito’ e Tolerância’:
alardeiam tais palavras como se elas devessem
ser colocadas como um contrassenso legal, correto e absoluto a posicionamentos
ou posturas alheias discordantes! Assim, se alguém expõe – ardorosamente ou
não – discordar disto ou daquilo, ou explicitamente não admite determinada
urdidura, de imediato deve ser indiciado – e ao final condenado –, respectivamente,
por 'crime' de desrespeito ou intolerância. À semelhança do calão “é proibido
proibir”, vociferam “não é permitido discordar!”; e com isto disseminam o
engano de que os direitos à livre e desimpedida manifestação do pensamento e
à liberdade de expressão devem ser entendidos como inatos apenas de quem se
encontra do lado de lá, isto é, do lado afeto à determinada cosmovisão. E quem
estiver do lado de cá, isto é, do lado oposto, contrário, dissonante de
determinada maneira de interpretar o mundo, tem que se calar, se curvar, se
sujeitar, uma vez que se encontra proibido de contrariar, de se opor, de
contrapor ou de discordar. E tudo isto em nome não do sentido bem intencionado
dos termos, mas dos jargões ‘Respeito’ e ‘Tolerância’. Quanta obscuridade de
intelecto! O pensar e o agir diferente são liberdades individuais
intransponíveis, intransferíveis e, de certo prisma, inegociáveis! E em que isto implica? Implica que autoriza
absolutamente o direito de qualquer pessoa se opor, discordar, contrariar
ideias ou comportamentos [tudo no campo da argumentação, ressalte-se!].
Ora, é característica
essencial do ser humano ter “um juízo moral próprio sobre as mais variadas
questões”, bem como direito tem de “se guiar por suas próprias ideias e
convicções”. E não só isto, o indivíduo tem também o direito de, e “necessita
expor as suas opiniões, buscar convencer os outros acerca das suas ideias,
discuti-las com os demais integrantes da sociedade”; ele naturalmente “precisa
expressar, exteriorizar essas ideias e pensamentos”! E isto muitas das vezes o
conduz a discordar, e pronto. Logo, cada pessoa deve ter garantido o direito de
expressar-se ou propagar pensamentos conforme interpreta a vida, desde que,
claro, dentro dos parâmetros sócio-jurídicos justos existentes. Todos precisam entender que o direito
efetivamente de ‘expor o que se pensa’ ou de ‘agir conforme esse pensar’ deve
ser garantido em consonância lógica e isonômica com o direito ‘de discordar ou
se opor parcial ou totalmente a cosmovisões alheias, ideias outras, ou comportamentos’. Isto é o que deve ser
entendido por Respeito e Tolerância! Deste modo, fica evidente que não
existe a figura destes termos como sinônimo de condescendência!
Ninguém, portanto, deve ser obrigado a
transigir contra a sua própria consciência, a pretexto dos ditos ‘respeito’ e
‘tolerância’ como tem sido erroneamente apresentados, quando se encontrar diante
de opiniões ou de cosmovisões diferentes. Pois assim como todos nós somos
livres humana e juridicamente para pensar e agir como bem o nosso modo de ver o
mundo nos oriente (ainda que enxerguemos a vida obscuramente), na mesma medida,
temos todos, igualmente, o direito de discordar, até vigorosamente, e de buscar
convencer os demais daquilo que acreditamos, quando não concordamos!
Por Sócrates de Souza.